25.3.05

Mensagem da SPA para o Dia Mundial do Teatro (27 de Março)

Jaime Salazar Sampaio, um dos dramaturgos mais representados em Portugal, escreveu este ano a Mensagem do Dia Mundial do Teatro com que a nossa cooperativa comemora aquela efeméride. Responsável, na SPA, pelo ciclo “A Dramaturgia e Prática Teatral” – afinal uma forma de festejar permanentemente o Teatro - aquele dramaturgo escreveu o seguinte texto

SER DRAMATURGO, EM PORTUGAL

Escrever peças de teatro, em Portugal, não é uma profissão; e, por consequência, o dramaturgo lusitano precisa em geral de ser “funcionário de outras coisas”, para sobreviver.Era assim nos anos sombrios da tão apregoada Política do espírito do Doutor Salazar e continua a sê-lo após o 25 de Abril, neste estranho país onde navegamos, a meio caminho entre a Anedota e a Democracia.É certo que uma tal situação – não apenas verificada no campo da dramaturgia, pois abrange muitas outras e variadas actividades – pode ser considerada vantajosa ou, pelo contrário, penalisadora.Assim, há quem pense que existe um significativo benefício para o dramaturgo, ao dedicar-se também a outros trabalhos, adquirindo, por esse facto, uma mais vasta e diversificada experiência que lhe permita melhorar a qualidade e a verdade da sua escrita.Em contrapartida, pode argumentar-se que um dramaturgo, sendo obrigado ao longo da semana a cumprir, longe do palco, outras tarefas, não se encontra nas melhores condições de criatividade.Segundo creio, ambas as opiniões serão mais ou menos defensáveis, consoante os casos, dependendo nomeadamente do peso relativo do labor dramatúrgico e das outras incumbências atribuídas a cada escritor, bem como da sua capacidade de trabalho.Mas existem outras atitudes bem mais radicais. Sirva de exemplo o caso daquela personagem de uma peça de teatro que certo dia, em pleno palco, teve o seguinte desabafo: “Sou escritor. Mas como escritor estou desempregado. Sempre estive.Para ir vivendo, desencanto, invento, sempre vou arranjando – e por que preço! – uns ganchos, uns biscates, os empregos, coisas... Às vezes, para mudar – e mudar porquê? – preencho um memorando, um curriculum, uns impressos. Mas cá por dentro é uma gargalhada.Não perdoo a ninguém, a começar por mim. Sou escritor, escrevo ao domingo e acuso: um mundo – este nosso mundo – onde os homens não podem oferecer aos outros homens o melhor de si próprios, é um mundo pobre, pobre, condenado.”É verdade que as personagens nem sempre dizem coisas muito sensatas e pensarmos que um dia, num mundo mais justo e harmonioso, cada pessoa possa trabalhar em exclusivo naquilo que gosta é certamente uma utopia.
Mas pode viver-se sem utopia?
Jaime Salazar Sampaio